Há muitos anos atrás, um ilustre letrado meu professor, de cuja companhia nós, os vivos, já tivemos a infelicidade de ficarmos privados, olhou para um escrito meu e perguntou-me se eu já tinha lido algo do Camilo Castelo Branco.
- Sim. - respondi. Ele volveu:
- Qual?
- «Amor de Perdição».
Logo se indignou:
- Epá, o «Amor de Perdição» é uma [palavra substituída por «caca»]! E do Aquilino Ribeiro?
E devolvi-lhe, para pena dele:
- Não.
Longo tempo depois, tive oportunidade de ter perante mim a mais célebre obra de Aquilino Ribeiro. Está bem, sem contar a alegada co-autoria do Regicídio. Falo, pois claro, de «Romance da Raposa». Um exemplar destes mesmos.
Para quem não se lembra, até se fez uma série de desenhos animados a partir deste livro há umas quantas décadas.
Este foi um conto que o autor escreveu para oferecer a um dos seus filhos pelo Natal do conturbado ano de 1924. É a história de uma raposa, a Salta-Pocinhas, nome pelo qual, aliás, toda a gente conhece este conto. Tendo crescido, viu-se forçada a sair da alçada dos pais. Daí em diante, vê-se metida em toda a espécie de encrencas, umas vezes de barriga cheia, outras esganada de fome. Porém, consegue sempre safar-se recorrendo a embustes, pilhagens, vigarices, enfim, a lixar o próximo.
A narrativa é engraçada mas acarreta dois problemas. Um é que parece ter princípio e meio mas não um fim definido, ou seja, um desenlace para toda a trama. Os acontecimentos limitam-se a sucederem-se. O outro é que o conto é um verdadeiro banho de sangue e uma ode à vigarice. Portanto, uma coisa para crianças à moda da Primeira República. Parece que a moral da história, a havê-la, é «se fores sério e honesto, nunca serás alguém na vida».
Veredicto: o «Romance da Raposa» é uma história interessante, esplendidamente bem escrita mas vazia de qualquer lição de vida séria ou bom exemplo e com uma dose de violência que jamais se pode coadunar com algo destinado a um público infantil. Outra coisa não seria de esperar de um escrito fruto da mente dum carbonário regicida acagaçado e gabarolas. Sim, foi isso que eu chamei ao Aquilino Ribeiro, indigno do Panteão Nacional, já agora. Chegamos ao fim do livro com um sabor amargo a que faz falta ali qualquer coisa. Uma pena, pois parecia um bom ponto de partida para uma obra de excelência, se tivesse sido revista e lhe tivessem limado as arestas.
Que a caca esteja convosco!
P.S.: NÃO AO ACORDO ORTOGRÁFICO!!!
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