Voltando à Inglaterra, continua ao rubro a campanha para o referendo quanto à permanência ou saída do Reino Unido da União Europeia e há em tudo isto alguns pontos que me causam confusão. Como por exemplo, continuo sem perceber, tal como aconteceu no caso do referendo à independência da Escócia, qual é que é mesmo a posição do Primeiro-Ministro, David Cameron. Fartou-se de ameaçar a União e fazer-lhe montes de exigências impossíveis e agora é impressão minha ou anda a fazer campanha pela permanência? Acho eu mas se calhar estou enganado.
Não deixa de ser curiosa a argumentação dos defensores da permanência, faz quase lembrar uma versão invertida dos que apoiavam a adesão ao euro. Ditam toda a sorte de sentenças apocalípticas, algo muito do género de: «se o Reino Unido abandonar a União Europeia, não há volta a dar, é irreversível, e as empresas multinacionais fogem todas daqui e o capital raspa-se para o estrangeiro e vai haver escassez de bens e os preços vão subir e os impostos vão aumentar e vamos morrer todos fechadinhos aqui porque não podemos sair de cá e nada vai conseguir entrar e vamos todos lerpar com claustrofobia e consanguinidade em alta escala e depois virá o Bicho Papão e os Cavaleiros do Apocalipse e dedicarem-se à necrofilia e a concertos de música pimba com os nossos cadáveres e vai ser o fim do Mundo em cuecas.» Calma, também não é bem assim.
Como é costume, há em toda esta discussão muita especulação. Na realidade muito pouco muda. Eis o que de mais importante há a assinalar.
1 - Moeda: Nicles. Nada muda. Lembremo-nos que a libra estrelina, moeda de referência e valor, circula no Reino Unido. Não há lá nada de euros.
2 - Circulação de pessoas e bens: O Reino Unido não aderiu ao Acordo Schengen. A relação com o resto da União apenas se trata em matéria de cooperação policial e judicial. O controlo para entradas e saídas daqueles países britânicos é muito diferente e apertado do que o verificado nos restantes casos, pelo que a eventual saída do Reino Unido poucas ou nenhumas alterações vai trazer para a «livre circulação de pessoas e bens».
3 - Economia: A matéria estùpidamente mais sensível, ou pelo menos aquela à qual é dada sempre mais atenção, sem que se compreenda bem porquê. Olhando para o que o Reino Unido dispende e recebe de Bruxelas, não é de esperar grandes mossas no orçamento. Os acordos comerciais, piscatórios e de outras naturezas naturalmente deixarão de incluir o Reino Unido no caso da sua saída da União Europeia mas não será lá por causa disso que há-de faltar o que quer que seja nas ilhas e domínios de Sua Majestade. Basta recorrer à técnica que antes se seguia: celebrar acordos com cada uma das partes envolvidas, os quais costumam ser mais proveitosos do que quando são celebrados com toda a União, visto que os parceiros pretendem sempre vender e explorar o máximo possível e importar ou deixarem-se explorar quanto menos melhor. Em consequência, e como não é de antever carências de materiais e capitais, não há razão para qualquer subida de impostos relacionada com a questão. Portanto, também nisso não se antevêem alterações significativas.
Em suma: pouco muda. Então se assim é, porquê tamanho alarido? É simples. É que há muita gente que depende da mama de Bruxelas. Acabada a permanência do Reino Unido na União, fecha-se a torneira dos fundos e subsídios comunitários. Por outro lado, é menos uma importante área de influência para os grandes da União, sejam os federalistas de Bruxelas ou a Chanceler da Alemanha, que sabem que o Reino Unido, como potência comercial e industrial que é e parceira de peso com os países da Commonwealth, é uma porta de saída para grandes e bons negócios. Mais e acima de tudo: como disse o Presidente da Comissão Europeia, a saída do Reino Unido abre um precedente que pode levar à desagregação da União Europeia. É previsível, olhando para a insatisfação de alguns estados-membros face a uma União cada vez mais ambiciosa, centralizadora, controladora e intrometida. Encaremos o facto: os estados-membros, não todos mas muitos, são independentes apenas no papel e a União é quem, de facto, dita as regras. O resto são balelas.
Posto isto, se o Reino Unido quiser deixar a União Europeia, deixá-lo sair. Erro nisso não há nenhum, a meu ver. Erro sim houve, como com Portugal, em entrar.
Que a caca esteja convosco!
P.S.: NÃO AO ACORDO ORTOGRÁFICO!!!
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