O NÃO AO ACORDO ORTOGRÁFICO EXPLICADO DE MODO FÁCIL (3)
5ª - Base XVII - A parte respeitante ao hífen na ênclise, na tmese e com o verbo haver guarda outra bácora que ninguém percebe para que foi feita. Vejamos então o número 2: «Não se emprega o hífen nas ligações da preposição de às formas monossilábicas do presente do indicativo do verbo haver: hei de, hás de, hão de, etc..» Esta medida não tem razão de ser porque cria uma incoerência. Como é sabido, o discurso procede-se em três vozes: activa, passiva e reflexiva. A voz reflexa ou reflexiva, que é a que interessa para o caso, emprega-se quando a acção recai sobre quem a pratica (ele cortou-se, eles pintaram-se, eu trato-me). O verbo haver, usado quase em exclusivo como verbo auxiliar, é, para esse efeito, muitas vezes conjugado na voz reflexiva. Deste modo, o de não tem aqui função de preposição, é sim equivalente ao me, ao te, ao se, ao nos e ao vos para conjugar os outros verbos na voz reflexiva. Portanto, se se escreve cortou-se, pintaram-se e trato-me, também se deve escrever hei-de, hás-de, há-de e hão-de.
6ª - Base XIX - O uso das minúsculas e das maiúsculas sempre foi discutido. Por isso, apenas foi sempre tido como dado garantido e inegável, como um dogma, que os nomes próprios e as frases tinham como primeira letra uma maiúscula e o resto era minúsculo. Sempre assim se ensinou na escola. O «Acordo Ortográfico» vem acabar com isso. Indica assim no seu número 1: «A letra minúscula inicial é usada: (...)
b) Nos nomes dos dias, meses, estações do ano: segunda-feira, outubro, primavera.» Quanto aos dias da semana está certo, desde que não designem nomes próprios de dias em concreto, como Domingo Gordo, Sábado de Aleluia ou Sexta-Feira Santa. Os restantes não podem estar correctos e a Base XXXIX do diploma de 1945 previa esta situação e explicava porque é que não podia ser assim: isso iria criar cofusões com nomes comuns. Verão, por exemplo, seria confundido com a conjugação do verbo haver na terceira pessoa do plural do Futuro do Modo Indicativo: verão, e eles verão o quê? Já outono é um cereal e primavera uma planta. Em relação aos meses, o caso é mais caricato: Janeiro é o primeiro mês do ano, janeiro é o cio dos gatos; Fevereiro é osegundo mês, fevereiro é uma ave; Maio é o quinto mês, maio é um boneco usado numas festas populares em algumas partes do Algarve. Assim, 19 de janeiro não é uma data, são 19 gatos com o cio. Portanto, concui-se que tem de haver uma distinção gráfica para evitar confusões entre os nomes próprios dos períodos e nomes comuns de variadas coisas, nomeadamente mantendo a inicial maiúscula nos primeiros, como indica, aliás, a regra geral.
«c) Nos bibliónimos (após o primeiro elemento, os demais vocábulos podem ser escritos com minúscula, salvo nos nomes próprios nele contidos, tudo em grifo): O Senhor do Paço de Ninães, O Senhor do paço de Ninães; Menino de Engenho, Menino de engenho; Árvore e Tambor ou Árvore e tambor.» Nem é necessário ser especialista para ver que há aqui uma incongruência, basta seguir o bom-senso. Cada palavra constituinte do título faz parte do nome próprio da obra e como tal deve ser tratada. Portanto, da mesma maneira que o nome, por exemplo, do Marquês de Pombal se escreve Sebastião José de Carvalho e Melo e não Sebastião josé de carvalho e melo, também o célebre livro de Júlio Dinis (idem) é As Pupilas do Senhor Reitor e não As pupilas do senhor reitor. Senhores acordistas, haja coerência e respeito pelos nomes próprios!
«d) Nos usos de fulano, sicrano, beltrano.» A Base XL de 1945 diz exactamente o contrário e tem razão lógica para tal. Quando estas palavras são empregues para designar algum indivíduo em sentido vago, devem sim ser escritas com inicial minúscula. Porém, se surgem em substituição de um nome próprio em concreto, devem ter inicial maiúscula. Exemplo: ali o Senhor Fulano quer uma caldeirada.
A alínea e está muito pobre e incompleta, parece um resumo feito à pressa da Base XLVI de 1945.
«f) Nos nomes que designam domínios do saber, cursos, disciplinas (opcionalmente, também com maiúscula): português (ou Português), matemática (ou Matemática), línguas e literaturas modernas (ou Línguas e Literaturas Modernas).» Diz a lógica e a regra geral que, nestes sentidos, tais palavras, que são nomes próprios, devem ter iniciais maiúsculas. Tal só não é necessário quando designem nomes comuns: filosofia de vida; é a matemática das coisas; falam-se muitas línguas no Mundo; eu gosto das literaturas modernas.
7ª - As facultatividades - Por todo o texto do «Acordo» proliferam as possibilidades de escrever um vasto leque de palavras da maneira que bem se entender, dentro das restrições impostas. Parece curioso um documento que pretende unificar a ortografia da língua portuguesa permitir uma tão grande variedade de grafias. Os seus defensores dirão que já na regulamentação de 1945 se admitiam facultatividades na escrita. É verdade mas essas tinham como base diferenças na oralidade, como as relativas aos ditongos oi e ou, de que resultavam palavras diferentes, ainda que sinónimos. Agora não, podem haver diferenças na oralidade, como as há de região para região dentro de qualquer língua, mas sobre a mesma palavra. Tendo em conta as distinções entre a oralidade portuguesa e brasileira, uma facultatividade só se deveria verificar a nível da acentuação em casos pontuais. Em rigor nem isso, se considerarmos que a língua é única, una e portuguesa. Ao invés, o «Acordo» não só não unifica a escrita como cria várias escritas possíveis. Onde antes existiam duas grafias, portuguesa e brasileira, passam a haver a portuguesa (que os sensatos saberão compreender e manter), a brasileira e uma série de variações dentro de um género abrasileirado.
(CONTINUA)
Que a caca esteja convosco!
P.S.: NÃO AO ACORDO ORTOGRÁFICO!!!
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