O NÃO AO ACORDO ORTOGRÁFICO EXPLICADO DE MODO FÁCIL (1)
O «Acordo» de 1990 fundamenta a ortografia em 21 bases (o diploma de 1945 fazia-o em 51, o que, só por si, já pode servir para ilustrar o grau de qualidade, inversamente proporcional ao da asneira). Uma boa parte do texto é uma fiel cópia do do «Acordo» de 1945. Das que não são, algumas são da categoria do «não aquece nem arrefece», que é o caso da Base I, que diz o mesmo que já antes se dizia salvo na parte em que se considera que o alfabeto português tem 26 em vez de 23 letras, ou seja, mantêm-se as circunstâncias do uso do k, do w e do y só que agora passam a ser consideradas parte do alfabeto português. Sinceramente, é uma picuinhice. Outras coisas há que são asneiras de bradar aos céus, as quais passo a enumerar e explicar da maneira mais simples possível. O texto do «Acordo» será aqui adaptado à ortografia moderna (a de 1945) para ser minimamente perceptível.
1ª - Base IV - O cavalo de batalha dos defensores do «Acordo», que dizem que só se deve escrever o que se diz, isto é, não se diz, não se escreve. É uma excelente ideia que já tinha sido aplicada em 1945. Estes indivíduos armados em entendidos consideraram que não e daqui resultou patacoada, senão vejamos. O texto diz:
«1 - O c com valor de oclusiva velar, das sequências interiores cc (segundo c com valor de sibilante), cç e ct e o p das sequências interiores pc (c com valor de sibilante), pç e pt, ora se conservam ora se eliminam. Assim:
a) Conservam-se nos casos em que são invariavelmente proferidos nas pronúncias cultas da língua: compacto, convicção, convicto, ficção, friccionar, pacto, pictural, adepto, apto, díptico, erupção, eucalipto, inepto, núpcias, rapto;
b) Eliminam-se nos casos em que são invariavelmente mudos nas pronúncias cultas da língua: ação, acionarafetivo, aflição, aflito, ato, coleção, coletivo, direção, diretor, exato, objeção, adoção, adotar, batizar, Egito, ótimo;
c) Conservam-se ou eliminam-se facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: aspecto e aspeto, cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição, facto e fato, sector e setor, ceptro e cetro, concepção e conceção, corrupto e corruto, recepção e receção;
d) Quando, nas sequências interiores mpc, mpç e mpt se eliminar o p de acordo com o determinado nos parágrafos precedentes, o m passa a n, escrevendo-se, respectivamente, nc, nç e nt: assumpcionista e assuncionista, assumpção e assunção, assumptível e assuntível, peremptório e perentório, sumptuoso e suntuoso, sumptuosidade e suntuosidade.
2 - Conservam-se ou eliminam-se, facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: o b da sequência bd, em súbdito; o b da sequência bt, em subtil e seus derivados; o g da sequência gd em amigdala, amigdalácea, amigdalar, amigdalato, amigdalite, amigdalóide, amigdalopatia, amigdalotomia; o m da sequência mn, em amnistia, amnistiar, indemne, indemnidade, indemnizar, omnímodo, omnipotente, omnisciente, etc.; o t da sequência tm, em aritmética e aritmético.»
As línguas, nas suas escritas, são como as máquinas: as porcas e os parafusos podem não ser intervenientes directos para o funcionamento dos motores, ou seja, não fazem com que ele trabalhe ou não, como o fazem a água, o vento, os combustíveis, a corda ou seja o que for, mas experimente-se a tirarem-se-lhos e logo se verá o engenho a avariar e largar peças por todo o lado, deixando de funcionar. De igual modo, por exemplo, em francês escreve-se «cadeaux» e diz-se «cádô» ou em inglês «although» para quando é dito «aldou». Tal como as porcas e os parafusos estão nas máquinas por algum motivo, também aquelas letras ali estão na escrita e, em ambos os casos, pela mesma razão, que é que tudo funcione bem.
No que diz respeito à Base IV, a alínea a do número 1 está correctíssima, assim como o princípio que argumenta a alínea d. Já os exemplos desta segunda não. O erro surge quanto às duas últimas palavras. Toda a gente diz «sumptuoso» e «sumptuosidade», não faz sentido passar a escrever e, logo, a dizer «suntuoso» e «suntuosidade». Estas palavras só são ditas assim... no Brasil. De igual modo, todo o número 2 não tem qualquer lógica porque as letras em causa são sempre, em qualquer lado e circunstância, pronunciadas. A alínea c do número 1 é outra que não faz sentido, tal como inúmeras outras alíneas do «Acordo», visto que também aqui estas letras apontadas só não são pronunciadas no Brasil, o que é o argumento que sustenta o princípio das facultatividades, do qual se falará adiante. A alínea b é, de todas deste número e das partes do «Acordo», a mais discutida e discutível. Para compreender o porquê do seu erro, é necessário um recuo no tempo.
Os Romanos não usavam acentos. Aliás, os acentos são invenções relativamente recentes. Como não os tinham, usavam certas letras colocadas em determinados lugares de maneira a saber que, de determinada sequência de letras, uma delas seria acentuada graças à tónica que outra lhe conferia. Olhando o caso numa perspectiva meramente metafórica, para que todos possam compreender, era como se uma letra desse a sua força a outra para que esta se pudesse ouvir melhor e acabasse por ficar tão cansada e fraca que deixava de se conseguir fazer ouvir. Esta letra que se sacrificava não era uma letra ao acaso, tinha de ser uma em específico, por variadas razões próprias da língua. Ora o latim deu lugar ao português mas o hábito e a necessidade de explicar certos fenómenos que ocorriam na oralidade tornou imperativa a manutenção desta regra em alguns casos pontuais, como explica e demonstra o «Acordo» de 1945, senão vejamos.
Vamos proceder a um simplícimo exercício de comparação usando palavras dadas como exemplo na alínea b do número 1 da Base IV e outras escolhidas à sorte. Acção, accionar, fracção, Mação, cação e implicação. Que denotamos? Que o a que antecede a sequência cç é sempre aberto mas o que antecede o ç sozinho é sempre fechado. Que conclusão se tira daqui? Que o c colocado antes do ç abre o a que o antecede. Logo, retirando o c, o a fica fechado. Assim sendo, e acção, accionar e fracção não são as mesmas coisas que ação, acionar e fração. Sempre se podia pôr um acento no a mas o resultado seria desastroso pois a tónica dada ao a tenderia a tornar as outras vogais fechadas e criaria confusões. Áção, por exemplo, dir-se-ia de maneira igual a assam (terceira pessoa do plural do verbo assar no Presente do Modo Indicativo). Vamos a outros casos: direcção, objecção, infecção, secreção, colecção. Também aqui o e, quando fica antes de cç fica aberto e o que antecede só o ç fica fechado. Experimente-se a acentuar o e tendo só o a seguir e já se vê a asneira que sai. Deixe-se ficar sem o acento e ficaremos com o e fechado. O princípio é o mesmo que nos casos de acç. Consequentemente, e por uma questão de coerência, colectivo, director e objecto devem manter os seus c antes do t porque têm o e aberto. Alguns dirão que feto, por exemplo, tem o e aberto, tal como o e de afecto, e não é sucedido por nenhum c. é verdade mas é aqui que volta a entrar a coerência. Se colectivo é da família de colecção, director de direcção e objecto de objecção, também afecto é de afecção. Há ainda uma razão etimológica, que é a da palavra que está na origem de feto não ter qualquer consoante que hoje tivesse de ser empregue como muda. Deste exercício se conclui que as consoantes ditas mudas são também essenciais para o agrupamento e distinção de famílias de palavras. Sem elas haveria confusão e, por exemplo, «afetar» não pode ser outra coisa senão atribuir a algo características de feto.
Os mesmos princípios aplicam-se a acto e exacto, aliás palavras da mesma família mas com uma diferença entre elas, que é a de, em rigor, o c de acto e suas derivadas não ser mudo, como diz o enunciado na alínea b. Mas agora, para efeitos do debate académico, vamos abrasileirar-nos e fazer de conta que é mesmo mudo. Alguém dirá: «mas o primeiro a de actividade é fechado e há um c mudo a seguir.» É verdade, é uma excepção à regra, como as há em tudo. No entanto, mesmo que o c fosse mudo, teria de ser escrito para que se soubesse que pertencia à família de acto, activo e activação.
O caso de adopção e adoptar é idêntico. Comparado com adoçar e dotar, vemos que o o é aberto antes de pç ou de pt mas, sem o p, é fechado. Repare-se que aqui o p é considerado mudo mas, em palavras muito idênticas, como opção e optar, não é. O emprego do p em adoptar e adopção segue as razões já apontadas. E porquê o p e não outra letra? Porque é esta a empregue na sua raiz etimológica, em latim. Sem ele, «adoção» seria um eventual sinónimo de «adoçamento» e «adotar» qualquer coisa relativa a dotar ou atribuir dote.
O p de baptizar existe pelas mesmas razões (abre o a antes do p, o que não acontece em batedor ou bateria, cujo a antes do t é fechado) e garante-nos que um baptista, seguidor e crente em São João Baptista, não tem nada a ver com um batista, defensor de que é a bater que se resolvem as coisas. Baptizar não é da família de bater.
Óptimo revela-nos o problema oposto ao de acto e actividade: o o inicial é acentuado e há um p considerado mudo logo a seguir. Para quê? Não seria mais lógico escrever «ótimo», como prevê o «Acordo» de 1990? Não porque assim incorria-se em incoerência. Não nos podemos esquecer que se o p de óptimo é dito mudo, já o p de algumas palavras da mesma família, como optimizar ou optimização, costuma ser pronunciado e, em rigor, deve sê-lo.
O caso de Egipto é o mais bizarro dos exemplos dados. Ninguém sabe sequer o que é que ele lá faz. Para quê retirar-lhe o p? Não conheço uma única pessoa que diga «Egito». O p aqui não é mudo! E, porventura, serão os seus naturais os «Egícios» e os seus estudiosos os «egitólogos»? Não, são os «Egipcios» e os «egiptólogos». Logo, o país é o Egipto e não o «Egito». Para mais, a subtracção do p retira tónica ao i e a palavra deixa de ter sílaba tónica.
Antes de dizermos já que as alterações apresentadas pelo diploma de 1990 (ou deverei dizer 2009) não fazem qualquer sentido, façamos o oposto do que se tem feito até agora, que é tentar encontrar uma lógica para tudo. Na realidade, estas novas regras ortográficas têm aplicação prática numa língua em que não haja grande distinção entre vogais abertas e fachadas. Ora em Portugal a distinção é enorme, muito complexa e variada. Já no Brasil nem por isso.
Mais uma vez afirmo que NÃO TENHO ABSOLUTAMENTE NADA CONTRA O BRASIL!
Vamos proceder a um simplícimo exercício de comparação usando palavras dadas como exemplo na alínea b do número 1 da Base IV e outras escolhidas à sorte. Acção, accionar, fracção, Mação, cação e implicação. Que denotamos? Que o a que antecede a sequência cç é sempre aberto mas o que antecede o ç sozinho é sempre fechado. Que conclusão se tira daqui? Que o c colocado antes do ç abre o a que o antecede. Logo, retirando o c, o a fica fechado. Assim sendo, e acção, accionar e fracção não são as mesmas coisas que ação, acionar e fração. Sempre se podia pôr um acento no a mas o resultado seria desastroso pois a tónica dada ao a tenderia a tornar as outras vogais fechadas e criaria confusões. Áção, por exemplo, dir-se-ia de maneira igual a assam (terceira pessoa do plural do verbo assar no Presente do Modo Indicativo). Vamos a outros casos: direcção, objecção, infecção, secreção, colecção. Também aqui o e, quando fica antes de cç fica aberto e o que antecede só o ç fica fechado. Experimente-se a acentuar o e tendo só o a seguir e já se vê a asneira que sai. Deixe-se ficar sem o acento e ficaremos com o e fechado. O princípio é o mesmo que nos casos de acç. Consequentemente, e por uma questão de coerência, colectivo, director e objecto devem manter os seus c antes do t porque têm o e aberto. Alguns dirão que feto, por exemplo, tem o e aberto, tal como o e de afecto, e não é sucedido por nenhum c. é verdade mas é aqui que volta a entrar a coerência. Se colectivo é da família de colecção, director de direcção e objecto de objecção, também afecto é de afecção. Há ainda uma razão etimológica, que é a da palavra que está na origem de feto não ter qualquer consoante que hoje tivesse de ser empregue como muda. Deste exercício se conclui que as consoantes ditas mudas são também essenciais para o agrupamento e distinção de famílias de palavras. Sem elas haveria confusão e, por exemplo, «afetar» não pode ser outra coisa senão atribuir a algo características de feto.
Os mesmos princípios aplicam-se a acto e exacto, aliás palavras da mesma família mas com uma diferença entre elas, que é a de, em rigor, o c de acto e suas derivadas não ser mudo, como diz o enunciado na alínea b. Mas agora, para efeitos do debate académico, vamos abrasileirar-nos e fazer de conta que é mesmo mudo. Alguém dirá: «mas o primeiro a de actividade é fechado e há um c mudo a seguir.» É verdade, é uma excepção à regra, como as há em tudo. No entanto, mesmo que o c fosse mudo, teria de ser escrito para que se soubesse que pertencia à família de acto, activo e activação.
O caso de adopção e adoptar é idêntico. Comparado com adoçar e dotar, vemos que o o é aberto antes de pç ou de pt mas, sem o p, é fechado. Repare-se que aqui o p é considerado mudo mas, em palavras muito idênticas, como opção e optar, não é. O emprego do p em adoptar e adopção segue as razões já apontadas. E porquê o p e não outra letra? Porque é esta a empregue na sua raiz etimológica, em latim. Sem ele, «adoção» seria um eventual sinónimo de «adoçamento» e «adotar» qualquer coisa relativa a dotar ou atribuir dote.
O p de baptizar existe pelas mesmas razões (abre o a antes do p, o que não acontece em batedor ou bateria, cujo a antes do t é fechado) e garante-nos que um baptista, seguidor e crente em São João Baptista, não tem nada a ver com um batista, defensor de que é a bater que se resolvem as coisas. Baptizar não é da família de bater.
Óptimo revela-nos o problema oposto ao de acto e actividade: o o inicial é acentuado e há um p considerado mudo logo a seguir. Para quê? Não seria mais lógico escrever «ótimo», como prevê o «Acordo» de 1990? Não porque assim incorria-se em incoerência. Não nos podemos esquecer que se o p de óptimo é dito mudo, já o p de algumas palavras da mesma família, como optimizar ou optimização, costuma ser pronunciado e, em rigor, deve sê-lo.
O caso de Egipto é o mais bizarro dos exemplos dados. Ninguém sabe sequer o que é que ele lá faz. Para quê retirar-lhe o p? Não conheço uma única pessoa que diga «Egito». O p aqui não é mudo! E, porventura, serão os seus naturais os «Egícios» e os seus estudiosos os «egitólogos»? Não, são os «Egipcios» e os «egiptólogos». Logo, o país é o Egipto e não o «Egito». Para mais, a subtracção do p retira tónica ao i e a palavra deixa de ter sílaba tónica.
Antes de dizermos já que as alterações apresentadas pelo diploma de 1990 (ou deverei dizer 2009) não fazem qualquer sentido, façamos o oposto do que se tem feito até agora, que é tentar encontrar uma lógica para tudo. Na realidade, estas novas regras ortográficas têm aplicação prática numa língua em que não haja grande distinção entre vogais abertas e fachadas. Ora em Portugal a distinção é enorme, muito complexa e variada. Já no Brasil nem por isso.
Mais uma vez afirmo que NÃO TENHO ABSOLUTAMENTE NADA CONTRA O BRASIL!
(CONTINUA)
P.S.: NÃO AO ACORDO ORTOGRÁFICO!!!
Que a caca esteja convosco!
P.S.: NÃO AO ACORDO ORTOGRÁFICO!!!
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